Prof. Luiz Otávio Savassi Rocha

No dia 23 de junho de 2010 será realizada Solenidade de Outorga do Título de Professor Emérito ao Professor Luiz Otávio Savassi Rocha. Trata-se da maior honraria acadêmica que se pode conferir no meio acadêmico.

Segue abaixo o discurso proferido pelo Prof. Luiz Otávio Savassi Rocha por ocasião da solenidade de formatura da 107ª turma da Faculdade de Medicina da UFMG.

"Caros formandos,

No momento em que sou alvo de tão honrosa distinção, evoco, emocionado, a memória do Prof. Luigi Bogliolo, responsável direto pelo meu ingresso na carreira universitária. Demitido, por razões ideológicas, da Universidade de Pisa, no limiar da 2ª Guerra Mundial, Bogliolo foi obrigado a emigrar para o Brasil, desembarcando, na então capital da república, em janeiro de 1940; quatro anos depois, transferiu-se para Belo Horizonte e fundou, em nossa querida Faculdade, uma escola de patologia que se imporia, por seu alto nível, no cenário científico do país adotivo. Ao que tudo indica, o que mais parecia empolgar o inesquecível mestre era a possibilidade de investir no jovem ávido de conhecimento, estimulando-o a desenvolver a consciência crítica e a descobrir as coisas por si mesmo. Essa “paixão de formar” fica evidente nos versos de um poema de sua autoria, redigido a lápis, dias antes da sua morte, por intermédio do qual, pressentindo o fim próximo, ele ensaiava uma reconstituição sumária de sua vida, uma espécie de balanço: “Pulsare à fatto avidi cervelli di giovani, e com le dita che sentivano, e com amore, com amore à dato forma ad alcuni.” ( “Fiz pulsar ávidos cérebros de jovens, e com os dedos que sentiam, e com amor, com amor dei forma a alguns.” ).

Isso posto, resulta inevitável a pergunta: qual seria a origem dessa “paixão de formar” que impulsionava Bogliolo, e que me impulsiona, com se abrigássemos, no recôndito de nosso ser, uma espécie de chama que nunca se apaga? Há quem suponha que semelhante inclinação, máxime em se tratando da área médica, deriva de motivações inconscientes, que implicam uma busca da reparação infinita, de modo a mobilizar toda a energia do professor que, obstinadamente, se dedica ao seu ofício. É possível que assim seja. Em questões dessa natureza, porém, parece mais prudente adotar a suspensão do julgamento e optar pelo silêncio contemplativo, pois, como ensina Guimarães Rosa: “As coisas assim a gente mesmo não pega nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do Sagrado. Absolutas estrelas!”.
Seja como for, penso ter procurado, ao longo de três décadas de exercício do magistério, privilegiar, em vez da transmissão mecanicista de conteúdos, a formulação de perguntas relevantes e o desenvolvimento da capacidade de raciocinar, ou seja, penso ter me comportado como uma espécie de catalisador – não mais que isso. Afinal, o que faz o catalisador se não limitar-se a diminuir a barreira que se opõe ao avanço da reação, facilitando a transformação dos reagentes em produtos? Encerrado o processo, ele se retira, sai de cena, como se necessário não fosse? Ocorre, porém, que, com o passar dos anos, revelei-me um catalisador peculiar, pois, ao contrário do que se observa na natureza – o catalisador não se altera quimicamente durante o processo -, à medida que eu me dedicava à formação dos alunos, ia sendo por eles reformado, assim como os pais são pelos filhos e os médicos pelo contato com os pacientes. Ainda bem que assim seja.
Neste início de caminhada - tão inquietante quanto rico de possibilidades -, que conselhos poderia lhes dar alguém que, explorando o mundo ao seu redor, se depara com a especulação financeira; a lógica cínica; o egocentrismo; o massacre publicitário; a transformação, num fim em si mesmo, do gesto intermediário de consumir; a degradação ambiental; a chamada “espiritualidade de resultado”; o recrudescimento dos fundamentalismos; a perda das referências; a pressa; o pragmatismo; a pasteurização das respostas às grandes indagações humanas; a prioridade das aparências; o embotamento afetivo; a banalização do sexo e da violência; a rápida obsolescência do saber que até pouco tempo se julgava bem estabelecido; a ânsia da apreensão matemática de todos os fenômenos, incluídos o comportamento e as emoções; a pletora das informações, à espera de quem opere a necessária síntese; à vivência do tempo no espaço cibernético, de modo a alterar os conceitos de passado e futuro e de impedir que se experimente a “espessura da realidade”; o aflorar, na área biomédica, de questões éticas aparentemente incontornáveis; a capacidade, sempre renovada, do Sistema de, sutilmente, apagar as diferenças entre as pessoas e negar sua singularidade?
Diante de tal quadro, devo confessar-lhes, torna-se muito difícil aconselhar. Mesmo assim, ouso deixar-lhes uma palavra final que, embora singela, vale como uma profissão de fé: não procurem alhures o que somente pode ser encontrado em seu próprio interior; lembrem-se de que não existem atalhos para a sabedoria; cultivem o desapego, pois não vale a pena agarrar-se ao efêmero; apurem a sensibilidade, como que afina um instrumento musical; busquem a beleza, onde quer que ela se esconda; na relação com o ser que sofre, privilegiem, acima de tudo, a empatia, cientes que o desamparo do homem moderno, a despeito de toda a tecnologia disponível, não é menor que aquele de seu ancestral, habitante das cavernas; ajudem enfim a inaugurar uma nova era, marcada pela delicadeza, ainda que isso lhes pareça a mais improvável das utopias.
Muito obrigado!
Sejam felizes!
Belo Horizonte, 7 de janeiro de 2000."

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